Há cerca de um ano atrás comecei a desenvolver um projeto sobre um tema delicado e pouco explorado: a perda gestacional.
Falei com várias pessoas, li muitos testemunhos e fotografei mulheres que viveram este drama com grande intensidade e aceitaram dar a cara a esta forma de dor. Aceitaram representar os seus sentimentos através de imagens.
Como em qualquer outro processo, vão surgindo questões e vou deambulando entre pensamentos e dúvidas, até um dia se fazer luz.
Uma das minhas primeiras questões foi se "explorar" este tema seria positivo ou negativo para as mulheres que se disponibilizaram a fazê-lo. Seria justo ressuscitar-lhes as memórias, esmiuçar a sua dor e recriar momentos traumáticos?
Tive dúvidas sobre o "tom" final do trabalho. Inicialmente acreditei que a abordagem a seguir, para apelar ao apoio que esta causa necessita, seria o mais dura e crua possível.
Nunca vou esquecer o dia em que se fez luz sobre estas incertezas. Um dia dei-me conta que o processo estava a ter um efeito terapêutico naquelas mulheres. Porque falar da dor, expressá-la e representá-la através da fotografia funcionou como uma "limpeza da alma", um desabafo, e acima de tudo uma homenagem. Homenagearam-se a si mesmas e aos seus filhos. Dignificaram a sua perda e quebraram um silêncio que muitas vezes pactua com uma vergonha sem sentido.
Sem sentido, porque embora muitos possam não compreender, é legítimo amar um filho que não "nasceu". E essa foi outra das surpresas que tive. A chamada de atenção não foi dura, foi poética, bela. Este acabou por ser um projeto sobre a dor mas também sobre o amor. Honram-se esses sentimentos que nascem no ventre e não se apagam mais.
Estas imagens representam a dor de mulheres que, em grande maioria, se sentem à margem de um processo de luto. Todas as mulheres que conheci, que viveram este tipo de situação, têm em comum um sentimento de vazio pela perda sofrida, e de solidão pela falta de apoio e compreensão dos outros. Essa dor só é libertada quando se permitem sofrer, chorar e amar.
Com o tempo, algumas mães aceitam e superam, mas nunca esquecem os seus meninos. Muitas vezes acreditam que eles são os seus anjinhos da guarda.
Este trabalho é para elas.
Foi hoje publicado no P3 uma parte do projeto. No meu site poderão ver mais imagens deste trabalho - "Permitido Sofrer"
Obrigada por lerem!
http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/16426/aborto-mulheres-que-amam-quem-nunca-nasceu